A identidade é uma narrativa ficcional criada para lidar com a falta e a fragmentação inerentes ao sujeito. No entanto, essa ficção não é uma mentira; ela é o meio pelo qual a verdade sobre nossos desejos e conflitos inconscientes pode se expressar. Para Žižek, reconhecer a natureza ficcional da identidade é essencial para entender como o sujeito se constitui na intersecção entre o psicológico, o simbólico e o real.

A identidade psicológica é construída a partir de experiências, memórias e desejos, mas, segundo Lacan, o sujeito nunca é plenamente consciente de si mesmo, pois parte de sua psique é governada pelo inconsciente.
Já a identidade simbólica refere-se à maneira como o sujeito é representado e inscrito na ordem simbólica, que inclui a linguagem, a cultura e as normas sociais. A identidade simbólica é construída a partir de significantes, como palavras, rótulos e papéis sociais, que são atribuídos pelos outros e pela sociedade. Por exemplo, ser chamado de “filho”, “professor” ou “cidadão” são posições simbólicas que nos dão um lugar no mundo.

A identidade psicológica é mediada pela identidade simbólica, a forma como somos vistos e nomeados pelos outros. No entanto, essa mediação não é perfeita: há sempre uma lacuna entre quem somos para nós mesmos e quem somos para os outros. Essa lacuna é onde a ficção entra. Para preencher essa falta e criar uma sensação de coerência, o sujeito constrói narrativas sobre si mesmo. Essas narrativas são ficções, mas são necessárias para que ele possa funcionar como sujeito.
A verdade sobre o sujeito não está “por trás” da ficção, como se fosse possível removê-la para revelar algo autêntico. Em vez disso, a verdade está na própria ficção, na maneira como ela revela as fissuras e os conflitos que se tentam esconder. Por exemplo, um sintoma psicanalítico, como uma fobia ou um ato falho, é uma ficção que o inconsciente cria para expressar uma verdade reprimida. Na identidade, isso significa que as histórias que contamos sobre nós mesmos, embora sejam ficções, contêm verdades sobre nossos desejos, medos e conflitos inconscientes. A verdade não está em negar a ficção, mas em reconhecer como ela estrutura nossa experiência.

Imagine alguém que se identifica como “um bom filho”. Essa identidade é uma ficção simbólica, construída a partir de expectativas sociais e familiares. No entanto, essa ficção pode esconder conflitos inconscientes, como ressentimentos ou desejos reprimidos em relação aos pais. A verdade sobre o sujeito não está em negar a identidade de “bom filho”, mas em explorar como essa ficção revela tensões e contradições internas.
via:
How to read Lacan - Slavoy Žižek