Os três pilares teóricos e práticos do Manifesto Quarto Mundista
I – A teoria econômica da Cauda Longa. O termo Cauda Longa foi criado em 2004 por Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, e se popularizou através de um livro que ele escreveu intitulado The Long Tail. Em seu livro, Anderson analisa as alterações no mercado econômico, sobretudo na indústria cultural, em que ocorre um fenômeno de migração da cultura de massa para a cultura de nichos devido a convergência digital e da Internet, o que implica em um novo padrão de comportamento por parte dos consumidores.
O primeiro ramo da indústria cultural a sentir o impacto da Cauda Longa foi o da música, mas ela já está afetando em maior ou menor grau outros segmentos, como os quadrinhos. Dentro do escopo dessa nova economia, fenômenos de venda como os X-Men do Jim Lee ou a Chiclete com Banana (para citarmos um exemplo nacional) dificilmente voltarão a acontecer. Cada vez mais deixaremos de ter esses grandes “hits” de vendas assim como teremos uma queda nas tiragens, ao mesmo tempo em que haverá um crescimento no número de títulos. Dentro da Cauda Longa, o custo de manutenção de um produto muito procurado é igual ao custo de manutenção de um produto procurado apenas por um número mínimo de consumidores, então nichos que antes eram ignorados pelas editoras passam agora a ter grande valor econômico.
Então o que mais interessa para o Quarto Mundo na Cauda Longa é que em um mercado de nicho, como é o caso dos quadrinhos independentes, o que importa não é a quantidade, mas a variedade. Ou seja, mais vale termos 100 revistas com tiragem de mil exemplares do que uma única revista com tiragem de 100 mil. O lucro que você obtém vendendo um exemplar de cada uma dessas 100 revistas é o mesmo que você teria vendendo 100 exemplares de uma única revista, mas as chances de você vender um exemplar de cada uma são maiores do que você vender 100 de uma, principalmente porque você pode vender diferentes revistas para uma única pessoa, mas não pode vender a mesma revista várias vezes para essa mesma pessoa (a não ser que ela tenha um sério problema de memória). Sem contar que com uma ampla variedade de títulos, as chances de o leitor se interessar por pelo menos um deles são bem maiores. Enfim, como as tiragens de nossas revistas são pequenas não há como ganharmos na economia de escala, mas através do coletivo e aplicando o modelo da Cauda Longa podemos potencializar os nossos ganhos com a economia de escopo.
II – Lei de Sturgeon, Theodore Sturgeon foi um autor de ficção científica que em resposta a um crítico literário que falou que a maioria das coisas que eram produzidas de sci-fi eram medíocres, disse que ele estava certo, 90% da produção em sci-fi é de fato medíocre, mas isso porque 90% do que é produzido em toda literatura também é.
Essa lei dos 90% de produção medíocre para os 10% de produção genial, apesar de se tratar de um pensamento hiperbólico, pode ser aplicada a qualquer mercado cultural. Em geral, o que chega ao Brasil é apenas a nata da produção mundial, então não percebemos a quantidade de títulos medíocres que todo e qualquer mercado possuí, seja o norte-americano, o europeu, o japonês, etc. E não seria diferente com um possível mercado brasileiro.
O problema é que o leitor brasileiro também só percebe a nata da produção mundial, e quando olha para as tentativas de produções brasileiras querem que essas produções já tenham logo de cara a genialidade que encontram nessas produções mundiais. Mas essas produções só chegaram a essa genialidade porque foram forçadas a superar os 90% de seu próprio mercado. É quase que um darwinismo aplicado.
Sendo assim, para termos uma boa quantidade de títulos brasileiros nos 10%, será preciso antes que tenhamos uma quantidade maior ainda de títulos nos 90%. Por isto quanto mais gente publicando tivermos, mais acirrada será a “competição” entre eles, forçando o nível de qualidade de todo mundo a aumentar se quiser não ser deixado pra trás. Não devemos ser ingênuos, muitos não conseguirão sobreviver (o que não impede seus editores de tentarem de novo, com outras propostas e abordagem), mas as que sobreviverem, terão um nível de qualidade tão alto, que serão capazes de disputar frente a frente com os títulos gringos, quiçá, no próprio mercado deles.
III – O último pilar do Quarto Mundo refere-se a própria organização do coletivo com base em um modelo em que não existem hierarquias e nem mesmo um comando central, estimulando deste modo uma colaboração livre e aberta entre seus integrantes. Esse modelo de organização baseado na colaboração mútua é chamada na nova economia de peer production, ou simplesmente peering. As primeiras aplicações de peering se deram no campo da tecnologia, em especial, na de softwares de código-aberto, como é o caso do sistema operacional Linux, mas hoje em dia esse tipo de organização já se espalhou para outros setores da economia. E a tendência é que cada vez mais se abandone as organizações hierárquicas e se passe a adotar uma organização horizontal.
Então dentro desse modelo de organização, cada quadrinistas no Quarto Mundo é como se fosse uma célula de um organismo maior, que é o próprio coletivo. Como uma célula, cada um sabe a sua função para manter esse organismo vivo. Algumas células podem ter maiores atribuições do que outras, mas não há relação de superioridade ou inferioridade entre elas.
Cadu Simões http://www.4mundo.com